Sombras da Vida: Uma Concepção do Lugar




Por Yan Breno Azeredo Gomes da Silva, graduando de Geografia da Universidade Federal Fluminense


   O quão nós, nos afeiçoamos a determinadas coisas? Quero dizer, até que ponto nós como seres humanos nos apegamos aquilo que nos cerca? É necessário primeiro orientarmos qual escala queremos analisar. Irei aqui buscar entender mais especificamente em um micro ponto de vista, a relação do individuo homem com aquilo que o afeiçoa e o apega de um modo muito pessoal, como o lugar, exemplo que utilizarei nesse breve texto. É importante salientar que não desprezo a consciência de que o homem não é só o homem puramente, e sim um ser integrado a um sistema social e conjunto chamado sociedade. Todavia, por motivo meramente ilustrativo e até mesmo de interesse, buscarei convida-los a compreender a questão do lugar e o processo que podemos chamar de afeiçoamento a partir de uma perspectiva do indivíduo em sociedade.

   Este texto não é uma crítica muito menos uma análise áudio visual, mas aplicarei aqui algumas ideias contidas no longa metragem A Ghost Story (Sombras da Vida) de 2017. Acredito que ele seja de grande ajuda para que possamos entender esse debate. Por isso, antes de tudo, acho valido chamar atenção, pois é possível que durante a discussão se mostre necessário a exposição de momentos crucias do filme o que pode influenciar em uma futura experiencia aos que ainda não assistiram. De modo geral, quando possível, tentarei não detalhar muito.

   A Ghost Story é escrito e dirigido por David Lowery. Estrelado por Cassey Affleck e Ronney Mara e estreou no Festival de Sundence em janeiro do ano passado. De modo bem sintético, o filme narra a história de um homem recém-falecido que retorna como fantasma à sua casa, o lugar, com a intenção de consolar sua esposa. Ele percebe então que sua existência permanece ao longo do tempo e das eras sem ser modificada, na qual ele acaba se tornando um mero espectador da vida. Observando, sua mulher indo embora, uma nova família habitando aquele lugar, um grupo de pessoas festejando, um momento no tempo tão longínquo que a sua própria existência retorna ao início e antes de tudo. Mais algo entre tudo isso permanece intacto e extremamente forte, o sentimento de apego e afeição, um significado próprio que o fez permanecer ali naquele lugar.

   O que o fez então, apegar-se de tal modo? É algo obvio, e bem explicito no longa que um dos principais motivos da permanência dele ali, mesmo após a morte era sua esposa. Seu amor incondicional o aprisionou ali naquele lugar e, todavia, o próprio lugar manifestava nele uma sensação particular. Mas o que então tal lugar colaborou para que ele ainda ficasse ali? Tencionando para uma visão mais geral, irei refazer a pergunta. Porque os lugares tendem a manifestar nas pessoas determinado significados? 

   Para responder essa questão, é necessário primariamente estabelecer o significado de lugar. Acredito, de um modo geral, que sua definição seja algo relativo a cada pessoa. Cada uma explicitará o que acredita ser o lugar. Entretanto, visando um ponto de partida, partirei do princípio de uma concepção geográfica do lugar, uma definição um pouco mais precisa.  Tem-se então como lugar o espaço percebido, uma determinada área ou ponto do espaço geográfico da forma como são entendidos pela razão humana. Partindo desse principio podemos dizer que o lugar se liga a uma concepção do espaço vivido, aquele local onde determinada pessoa possui uma certa familiaridade ou intimidade, como uma rua, um bairro, uma praça ou como no caso do filme a própria casa.

   Respondendo à pergunta, podemos dizer que os lugares manifestam significados as pessoas, a partir do princípio de que elas mesmas interagem ao lugar e consequentemente com outras pessoas. A ideia do espaço vivido é algo essencial para compreender essa característica do lugar, já que apoiado nessa vivencia do espaço/lugar cria-se um significado, seja ele qual for beirando um sentimentalismo, um certo apego. Podemos dizer então, que é exatamente isso que ocorre durante o longa-metragem. Logo após a morte do protagonista uma série de acontecimentos iluminam a ideia de apego, não só com a sua esposa, mas também com o próprio lugar, a casa.

   Em determinados momentos, com algumas cenas que antecedem a morte, é nos apresentados diálogos entre o casal discutindo uma possível mudança de casa. É realçado nesses diálogos a não vontade do homem de se mudar. Isso é tão importante que apos a morte, o regresso a casa, e a ida da esposa, ele continua no lugar. É importante salientar que existe um motivo principal para a permanência dele ali relacionada a seu amor pela esposa, já que ao sair da casa, ela esconde um bilhete na parede. É esse bilhete que o faz permanecer ali, já que ele busca durante grande parte do filme alcança-lo. Desse modo, o que podemos tirar disso, baseado na ideia do espaço vivido, é a relação do homem com a casa, o lugar, concomitantemente com sua esposa. Essa relação mutua criou um significado sentimental importante para ele, o que o fez permanecer ali durante eras.  

   O importante é entender que essa relação de significado do lugar nunca está somente na relação homem/meio. O homem vive em sociedade e está dependente dela em qualquer escala de associação. Podemos dizer que o significado do lugar para existir, precisa necessariamente ter, do que vou chamar de três noções. São elas: O próprio lugar, o homem e as relações interpessoais, ou a sociedade. O lugar propriamente dito desconsiderando o homem e suas relações é somente o espaço natural, ou seja, o ambiente original próprio da natureza composto pelos rios, vegetação, relevo, elementos climáticos, entre outros. Para que o lugar deixe de ser meramente um espaço natural é necessário a presença do homem, todavia, não como espécie e sim como sociedade. Nós homens não vivemos sozinhos e não transformamos o espaço sozinhos, mantemos relações diretas e indiretas que transfiguram a percepção. No caso do lugar, criamos um significado para espaço natural que por consequência se torna um espaço geográfico. Não necessariamente é preciso transforma-lo fisicamente, essa transformação no lugar naturalmente ocorre por diversos fatores, o que realmente é preciso é vive-lo. Viver em sociedade e criar um significado para aquele espaço.

   Por fim, como disse no inicio do texto, usei o filme mais como uma ferramenta de auxílio a discussão sobre o lugar. O filme possui muitas camadas e entrelinhas de entendimento que podem ser exploradas e as devem ser. Entretanto no meu caso escolhi falar sobre o lugar, algo que queria discutir já a um bom tempo. Convido a você que leu até aqui a assistir o filme e tirar suas próprias conclusos sobre o tema abordado, além de buscar novo entendimentos sobre o filme. Há muita coisa ali a ser desvendada.

   Achei importante concluir com uma definição:

   O lugar é o natural interpretado, significado e sentimentalizado pelo homem a partir de sua vivencia em sociedade. Suas transformações se dão pelos diferentes modos de interpretação do espaço proporcionando diferentes e inúmeras transformações.    

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

As mudanças na Região Serrana do Espírito Santo segundo as transições dos “meios”.

Breve Exposição Sobre os Direitos Indígenas