Breve Exposição Sobre os Direitos Indígenas



por Yan Breno Azeredo, Bacharel em Geografia pela Universidade Federal Fluminense

A Constituição de 1988 foi um passo importante para a afirmação dos direitos indígenas, em especial, no que diz respeito às suas diferenças e à demarcação de suas terras tradicionais. Ela estabeleceu noções para os direitos indígenas e funcionou como uma descrição para a implementação destes direitos. Além disso, ela rompeu com o paradigma da assimilação e integração que prevalecia antes de 1988, surgindo a necessidade de se discutir a reformulação do Estatuto do Índio de 1973 que assentou tais formulações.

Mesmo com a criação de uma nova lei em 1991 para a substituição do antigo estatuto, desde 1995 tal projeto se manteve estagnado na Câmara dos Deputados. Em consequência, organizações indígenas desenvolveram capacidades importantes no que se refere a intervenção nos debates sobre a revisão do Estatuto, participando no aperfeiçoamento dos conteúdos das propostas elaboradas.

Como foi dito, a Constituição de 1988 garantiu o direito à demarcação da terra indígenas através do parágrafo 1° do artigo 231. Cabe então a União, sempre que um povo indígena ocupar tradicionalmente uma área, viabilizar este reconhecimento de caráter indígena daquele recorte espacial, demarcando fisicamente seus limites físicos, tendo como objetivo a sua proteção. Para isso, foi baixado no ano de 1996 o decreto 1775 que tinha por objetivo sistematizar esse processo de demarcação das Terras Indígenas.

O procedimento se divide em seis etapas, iniciando com o processo de identificação da TI através de estudos antropológicos. Em seguida tem-se a etapa do contraditório, nela, todo e qualquer interessado nas terras tem direito de se manifestar sobre o procedimento de demarcação e refutá-la. Posterior a isso, considera-se a declaração dos limites, a qual o Ministério da Justiça expedi uma portaria declarando os limites das áreas e suas demarcações físicas. E por fim, após a homologação, a TI é registrada no cartório da região e na Secretaria de Patrimônio da União.

Todavia, na prática, nem tudo ocorre de modo correto. Apesar de todos esses avanços, os indígenas ainda estão apartados do proveito pleno dos direitos a eles garantidos. Mesmo com a ruptura dos paradigmas, tem-se a impressão de que tais direitos foram entendidos, interpretados e executados de maneira equivocada pelo Estado. As TIs no contexto brasileiro apresentam diversas divergências a tudo que foi conquistado. As demarcações das TIs, por exemplo, vem manifestando problemas ligados às práticas frequentes de violação aos direitos territoriais dos índios. Um exemplo, dentre muitos, é o caso da Terra Indígena Massaco. Nesse caso, a Rebio do Guaporé, inserida no programa “Adote um Parque”, a qual empresas adotam UCs e passam a comprometer-se com elas, está sobrepondo a Terra Indígena Massaco em mais de 400.000 hectares. Tal TI já possui seu território homologado e ainda conta com registro de povo indígena isolado. Dessa maneira, a autorização em TIs, recortes espaciais de usufruto exclusivo dessa população, para o empreendimento privado é inconstitucional e fere o artigo 231 da Constituição, já mencionado anteriormente. Assim, o que se tem nesta situação é a presença de uma empresa privada, e não do Estado, na responsabilização por um grande território indígena, a qual não existem fronteiras definidas que impeça a circulação do indígena isolado, que não conhece os limites impostos por nossa civilização nas áreas da Rebio. O risco nesse caso, por fim, é o início de um processo de degradação tanto no património natural e cultural, mas também na biodiversidade, já que a TI pode se tornar grande alvo da pressão econômica.

Apesar dos passos importantes dados na consolidação legislativa dos direitos indígenas, além da não-revisão do Estatuto do Índio , o Congresso Nacional também não regulamentou diversos dispositivos da Constituição referentes aos indígenas. Dentre estes dispositivos estão leis de mineração em terras indígenas; aproveitamento dos recursos naturais; a relação entre índios e militares, principalmente nas regiões de fronteira; as questões da responsabilidade penal; saúde e educação, entre outros.

As políticas públicas que abarcam os índios convivem atualmente com um texto constitucional de leis modernas, ao lado de um Estatuto do Índio de caráter antiquado, fundado sobretudo por conceitos já totalmente superados que ordenam as regras do cotidiano da aplicação dessas políticas. Ainda há muito o que se fazer no tocante a determinadas lacunas legislativas, até lá novas organizações indígenas se desenvolvem para a intervenção nos debates referentes a seus respectivos direitos.

Fonte Bibliográfica

ARAÚJO, Ana Valéria et al. Povos Indígenas e a Lei dos "Brancos": O Direito à Diferença. Brasília, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. LACED/Museu Nacional, 2006.

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