Da Laranja até o Mecânico
Em dezembro de 1971 estreava nos cinemas
americanos A Clockwork Orange
(Laranja Mecânica). O longa dirigido, produzido e escrito por Stanley Kubrick
se tornou um dos maiores clássicos da história do cinema mundial. Baseado na
obra literária de Anthony Burgess de mesmo nome, o enredo da trama envolve um
jovem sociopata chamado Alexander DeLarge (interpretado por Malcolm McDowell)
que é líder de uma gangue de arruaceiros denominados “drugues”, e praticam o
que eles mesmos chamam de “ultraviolência”. Em um desses atos, Alex é detido
pela polícia, é preso e logo depois acaba voluntariando-se a uma tentativa de
reabilitação através de um controverso condicionamento psicológico.
Todavia, o filme possui uma reflexão
mais complexa e profunda. Podemos dizer que ele se divide em duas unidades de
entendimento. A primeira delas é a unidade moral e a segunda a unidade
psicológica. Na unidade moral vemos uma tentativa de definir o que é a bondade
e se faz sentido utilizar métodos de terapia de aversão para acabar com o
comportamento imoral e violento. Como o próprio diretor comentou em uma entrevista,
o filme "...é uma sátira social
lidando com a questão de saber se a psicologia comportamental e o
condicionamento psicológico são as novas armas perigosas para um governo
ditatorial usar para impor grandes controles sobre seus cidadãos, e transformá-los
em pouco mais do que robôs."
A partir desse comentário podemos
discutir o caráter distópico presente no filme e que ainda se encontra na
unidade moral. Vemos em vários momentos, elementos que nos mostram
características de um governo ditatorial. Observa-se que após a terapia, Alex
se comporta como uma boa pessoa, porém, não por escolha. A bondade presente
nele é involuntária, se tornando o que podemos chamar de uma “laranja mecânica”
(daí o nome do filme), na qual, a pessoa se torna orgânica por fora e
mecanizada por dentro. Ou seja, percebemos que o sistema ditador reconfigura a
mente humana, enganando não só o próprio sistema, mais também a vida das
pessoas.
Existem duas vertentes que podem ser levadas
em consideração sobre essa nova “bondade”, a primeira é a imoralidade de Alex
que se reflete na sociedade em que ele reside. A vários elementos que são
relevantes serem citados como por exemplo o amor da "Mulher-Gato"
pela arte pornográfica que pode ser comparada ao gosto de Alex pelo sexo e
violência, além de outras formas mais leves de apologia ao sexo presentes em
determinadas cenas do filme, como na cena da casa dos pais e no hospital. Na
segunda, sob consequência da primeira, percebemos que a própria sociedade, de
maneira que podemos chamar de “natural”, age punindo Alex em decorrência de
tudo que ele realizou. Podemos citar uma sequencia de cenas que exemplificam
isso, iniciando-se com o reencontro de Alexander com o mendigo espancado por
ele e sua gangue no início do filme na qual é reconhecido, encurralado e
afrontado por outros. Logo em seguida dois policiais aparecem dissipando a
confusão, Alex agradece e logo reconhece que são seus ex-parceiros de gangue.
Ele é levado pelos dois “amigos” para uma zona afastada da cidade e acaba sendo
atacado por eles. Na cena seguinte Alex pede refúgio e uma casa próximo ao
ocorrido, mas sem conseguir distinguir acaba se encontrando com o senhor agredido
por ele também no início do longa. Esse senhor o reconhece e trama algo contra
Alex, coagindo-o ao suicídio.
Reconhecemos então, e entrando agora na
unidade psicológica, o poder de controle de um governo ditatorial, que se
baseia em abordagens psicológicas para “domar” seus governados. Laranja
Mecânica critica pontualmente Behaviorismo, que defende que “a modificação de comportamento é a chave
para uma sociedade ideal. ” No filme o tratamento Ludovico é claramente percebido como uma terapia de aversão capaz de transformar qualquer indivíduo em uma
“laranja mecânica”. Quer dizer, o indivíduo enquanto ameaça a sociedade precisa
ser psicologicamente alterado para ocupar seu lugar na tal. Todavia, a própria
sociedade se torna um, ou o, indivíduo macro a ser modificado já que mesmo após
a “reabilitação de uma laranja” ela demostra a sua imoralidade.
De modo final, podemos concluir que o
filme traz uma mensagem que mistura bondade, violência, redenção e penitencia.
Onde em uma sociedade distópica imoral, colabora para que tais cidadãos reproduzam
esse caráter libertino ao mesmo tempo punindo-o por esses atos. A Clockwork Orange "é uma história de
redenção que trata ao mesmo tempo de uma discussão sobre o livre-arbítrio."
Yan Breno
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